domingo, 6 de abril de 2008

Blogs de "making of"

No início, eram os blogs no formato de diários pessoais. Depois, os modelos se expandiram e vieram os blogs focados em nichos específicos, os blogs corporativos, etc. E é neste "etc" que se inclui um interessante modelo de blog: o de making of.

Trata-se de um modelo de blog que é temporário e que visa relatar os bastidores de produção de algo, como, por exemplo, a criação da nova versão de um site ou a produção de um longa-metragem.

Nesta categoria, um ótimo e recente exemplo é o blog de Blindness, que relata os estágios de produção de Cegueira, novo filme do cineasta brasileiro Fernando Meirelles, adaptação do livro Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. No blog em questão, atualizado pelo próprio diretor, estão relatos pessoais sobre as etapas de desenvolvimento do filme, desde a descrição dos acontecimentos durante as filmagens aos receios de Meirelles em relação a certos aspectos do longa.

É uma forma de tornar público as etapas de um longo processo, permitir (ou não) que a resposta do público interfira no resultado final e, acima de tudo, registrar um período importante para aqueles que estão realizando o trabalho em questão.

Além de aproximar o leitor de sua obra, um blog como o de Blindness permite que novas leituras sejam feitas ao se analisar o produto final, uma vez que o leitor (e futuro espectador, no caso) tem a possibilidade de acompanhar a dinâmica de produção, as alterações no roteiro, enfim, sentir (ao menos um pouco) o clima dos sets.
"A Julianne Moore ficou arrasada ao saber que teria que filmar a cena em que ela vem pelo corredor aos prantos depois de presenciar o estupro de 12 mulheres e matar dois dos estupradores. Difícil acertar o tom sem ter passado por estas cenas antes. Mas não tinha jeito. Era isso ou ficarmos parados, pois como nem o Gael Bernal e nem o Danny Glover haviam chegado. Estávamos sem ter o que filmar, então fomos em frente.
O microfone de lapela da Julianne já estava ligado, pude ouvir pelo head-phone que, lá do outro lado do corredor, sozinha, ela se preparava respirando fortemente. Enquanto isso, preparávamos nosso lado: luz, câmera, figuração. Então ela começou a chorar e depois a chorar convulsivamente, até que um assistente entrou correndo onde estávamos e anunciou: “A Julie está pronta e pede para rodarmos já”. Nós não estávamos prontos mas, nesta hora não interessa se a mesa não está posta ou se o vinho não foi aberto. Tem que rodar. E rodamos.
Na primeira tomada, ela veio pelo corredor desesperada. Berrou seu texto sem pensar, deixando vir a emoção que viesse. Pegou a nós todos desprevenidos, ao Mark Rufallo principalmente. Sem querer, ele entrou na onda e respondeu num tom lá em cima também. A cena calou todo mundo no set de tão forte. Cortamos. Apesar de estar com o coração batendo forte, me esforcei para não me deixar ser arrastado pelo tsunami que havia passado, corri para onde estavam os atores e pedi uma outra tomada num tom bem mais baixo. Julie nem me respondeu. Concordou com um gesto de cabeça e um sorriso técnico e voltando para a primeira posição, disse apenas: “Vamos rodar já, por favor”. Emoção é coisa viva, fugaz. Uma hora está lá, sólida, pode até ser enrolada num garfo e mastigada mas, no instante seguinte, pode se evaporar."
Tendo lido os parágrafos acima, publicados por Meirelles no dia 4 de setembro de 2007, referindo-se às filmagens da semana anterior, uma pessoa teria a mesma reação ao assistir a cena em questão que um espectador que não sabe o que aconteceu durante as filmagens? O que deve ser pensado, no caso, é se os blogs de "making of" vão além da função de suprir nossas necessidades voyerísticas e o culto às celebridades e podem alterar a forma através da qual nos relacionamos com um determinado produto cultural.

Ao acompanhar a construção de uma obra, é natural que vejamos o resultado final de forma diferente. Blogs de making of também funcionam neste aspecto. Este mesmo blog no qual escrevo agora é um blog de making of, acompanhando o desenvolvimento de nosso projeto experimental na PUC. Aqueles que o acompanharem ao longo de todo o processo e lerem o projeto final, terão uma visão bastante diferente daqueles que tiverem o primeiro contato diretamente com o material teórico que escrevermos.
"Durante um ensaio, o Gael (García Bernal) andava vendado por um corredor cheio de lixo cenográfico quando pisou num tubinho circular. Abaixou-se, pegou o volume sob seus pés e sem saber do que se tratava, desrosqueou a tampinha e cheirou. Era esmalte. Teve um impulso de passar na unha, mas se conteve. Esta pequena experiência casual modificou a linha de seu personagem e, com isso, o filme todo.
Convidei o Gael para fazer o papel do Rei da Camarata 3 porque imaginei que ser ia mais surpreendente um vilão boa pinta, com cara de garotão inofensivo. Já haviam me dito que ele é um ator que costuma interferir bastante na criação de seus personagens e essa foi mais uma razão para chama-lo. Gosto de ouvir idéias alheias e as uso sempre. Quando a gente coloca fichas no inesperado, ele acontece. Paguei para ver.
...E foi assim que aquele pequeno incidente no corredor funcionou como um gatilho para que o Gael inventasse seu personagem. O tom encontrado trouxe oxigênio para a história e abriu um viés que não estava nem no roteiro e nem na minha cabeça no início das filmagens."
Mark Rufallo à beira do rio Pinheiros, em São PauloBlogs deste tipo também mostram-se como alternativa para que autores tenham um alcance direto junto ao seu potencial público, facilitando eventuais explicações e contextualizando determinados elementos. "Falta cocô? Será que me acovardei e estou fazendo um filme limpinho? Será que a situação que deveria ser insustentável vai perder o peso por causa da minha calhordice asséptica?", escreve Meirelles ao comparar a podridão presente no livro com o incômodo ao tentar transformá-la em imagem.

Outros dos momentos esclarecedores proporcionados pelo blog referem-se à explicação do diretor sobre a reprodução de quadros de pintores famosos (Brueguel, Hieronymus Bosch, Rembrandt, Malevitch, Francis Bacon e, especialmente, Lucien Freud, que, segundo o cineasta, não são referências, "são cópias mesmo") no filme e sobre a alteração das cenas de estupro, tidas como "muito fortes" por parte dos produtores e da platéia dos testes de exibição.
"O test screening começou bem. A imagem e o som estavam excelentes. Havia 540 pessoas na sala e gente para o lado de fora. Até o meio do filme senti que a platéia estava comigo, então veio a primeira cena de estupro, quando umas 16 mulheres foram levantando e saindo. “Será que passamos do ponto?”, me perguntei. Veio então a segunda cena de estupro e mais 42 (!) mulheres deixaram o cinema. “Sim, passamos do ponto!”, respondi para mim mesmo."
Também é interessante ressaltar que todas as publicações do blog têm muitos comentários, a grande maioria passando dos 100. São participações dos leitores comentando cada etapa do filme e dando suas opiniões, respostas a filme ainda em construção mediadas pelo blog.

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